Lembranças que carregamos para sempre


Eram quatro amigos: Emily, Suzzane, Ricardo e Marcus. Foram unidos desde a infância até a adolescência. Eram inseparáveis.
Um daria a vida pelo outro se preciso, se amavam de verdade.
Enquanto cresciam, seus colegas queriam conhecer gente nova, os quatro só queriam uns aos outros.

Ricardo foi o primeiro à começar a trabalhar, começou aos 13. Desde pequeno sofria muito por ser pobre e sentia um pouco de inveja de Marcus e fazia questão de dizer-lhe isso.
Marcus era rico e sempre ressentiu-se de não poder ajudar mais o amigo, embora trouxesse aquele que considerava seu irmão para vir jantar todos os dias em sua casa. Doava-lhe também seus presentes de aniversário, fingindo que foram seus pais que deram. Mas Ricardo sempre queria mais.

Já Emily e Suzzane eram inseparáveis e nenhum ressentimento caía sobre elas, eram "unha e carne" - como costumavam dizer.
Até o dia em que Suzzane descobriu que gostava do amigo Ricardo, aos 13 anos. Escondeu o amor para si mesma com vergonha de ser julgada, afinal eram todos como se fossem irmãos. Escondeu até da melhor amiga.

Emily se tornou vaidosa, a menina crescia bonita e era vistosa. Aos 14 colocou uma idéia na cabeça, queria namorar. Poderia ser qualquer um, mas ela queria saber o que seria ter um romance.

Todos moravam numa cidade pequena, interiorana, onde todos se conheciam um ao outro.

Suzzane escondia seu segredo, Ricardo corria atrás de como conseguir suas coisas, Marcus sempre preocupado com o amigo-irmão e Emily preocupada com a última marca famosa de sapatos.

Algumas brigas começaram acontecer, rapazes queriam mostrar-se mais viris e "puxavam briga" com outros para se exibir para as meninas. Tais rapazes eram os maus-elementos da cidadezinha.
O principal alvo era Marcus, o preferido das meninas. Sempre que via um garoto mais fraco apanhar, ele defendia-o e o grupo nunca conseguia vencer dele. Ricardo vinha sempre socorre-lo, era bem agressivo e gostava de uma confusão. Os anos foram se passando e Marcus continuou fazendo o que fazia sozinho, enquanto Ricardo começou à se envolver com tais maus-elementos, e deixou um pouco o amigo de lado. Marcus sempre tentou clarear a mente do amigo, em vão.

Aos 16 Suzzane saiu da cidade para estudar na metrópole, mas não passou um dia sem que se lembrasse de Ricardo.
Por causa da falta de dinheiro, ela não pode voltar até os 18, foi quando teve uma grande surpresa: Emily namorava agora com Ricardo. E jamais contou-lhe por carta.

Foi porque não tinha ninguém mais, eu só queria alguém para namorar- disse-lhe a amiga quando questionada.

Mas eu gostava dele! - gritou.


Emily viu a amiga ir embora bufando. Tentou fazer as pazes na mesma noite, em vão.
Chocada, ela acabou por magoar-se com a amiga que nada lhe dissera antes. Então desistiu de persuadi-la e dirigiu-se para a casa de Ricardo, terminando o namoro.

Ricardo sofreu muito com o fim. Espalhou aos quatro ventos o quanto amava Emily e que jamais amaria alguém novamente.
Ninguém esperava que ele fosse prometer o que cumprira, já que antes dela tinha namorado metade das meninas da cidade.

Suzzane procurou Ricardo perto do fim de suas férias; iria para uma faculdade. Abriu seu coração mas foi rejeitada. Sofrendo, ela voltou para a metrópole prometendo à si mesma que jamais voltaria ali.

Com o fim da amizade de Emily e Ricardo, Marcus também não podia estar perto dos dois ao mesmo tempo e ora procurava um, ora o outro amigo.

Para Emily o fim de sua amizade com a melhor amiga foi um baque, ela estudou com afinco e conseguiu entrar numa faculdade de arquitetura em outro estado, um ano depois que a maioria e se foi dali também.

Marcus abriu uma loja de doces, adorava crianças e queria tê-las por perto. Sempre ressentiu-se da fortuna de seu pai e não quis continuar seus negócios, preferindo também a loja por parecer-lhe uma vida bem mais simples.
Sabia que o amigo andava envolvido com drogas, ele e Emily tentaram ajudá-lo mas ela não estava mais ali.
Aos sábados e domingos, ele ia à um asilo, onde cuidava dos idosos; sua segunda paixão.

Na cidade grande, Emily trocava de namorados à cada quatro meses, no máximo. Saía para casas noturnas e sentia levar a vida que sempre quis. Era uma das melhores alunas, tirava notas altas e era bem popular onde estudava.
Deveria ser feliz em ter o tipo de vida que via em filmes de adolescentes, mas um vazio em seu peito à atormentava.

Ela se formou e conseguiu um emprego estagiário, era tão boa no que fazia (amava casas) que logo foi efetivada. Seu salário inicial aumentou em dobro no segundo ano, e assim seguiu.
Pensava em retornar à sua cidade, pois sentia falta dos amigos, os únicos verdadeiros que tinha. Mas entre um curso e outro, entre diversões e novos namorados, ela sempre adiava seus planos.

Até que do dia para a noite, ela começou à pensar em Marcus. O único homem que realmente não saía da cabeça dela. Sempre pensou que era por causa da afinidade que sentiam, mas agora adulta, percebia que não era nada disso. Ela amava ele. Quando se deu conta disso começou à tremer.

Parou de sair, terminou seu namoro, trancou-se em casa e mergulhou-se nos estudos. Saía do seviço para estudar até cair de sono na cama, com o livro no colo.

Temia só de imaginar voltar à cidade, sentia-se como Suzzane: e se ele tivesse achado alguém? Entendia o que amiga sentiu quando a viu com Ricardo e temia que o mesmo acontecesse com ela.

Viveu mais um tempo nessa rotina, até que um dia, alguém bateu à porta de seu apartamento, onde morava sozinha, era seu ex-namorado:

Tudo bem. - Disse ele entrando decidido.
Tudo bem o que? - Indagou ela, irritada.
Eu sei o que você quer, eu estou pronto!
Âhn?
Você quer casar, eu sei disso. Já está com 24 anos e pensa no seu futuro.
Emily, - ele se ajoelhou na sala. - Quer se casar comigo?
Irritada ela puxou-o para cima:

Não é nada disso. Eu sinto muito, mas é justamente me casar agora que eu não quero.
Então o que você quer?
É algo que não bate entre nós, não tem nada a ver com você. Mas não é uma boa hora para nós, - respondeu, não querendo magoá-lo.


Acabou por magoá-lo. Nunca mais o viu, depois que ele saiu bufando pela sua porta afora.

Emily adiou o máximo que pode, mas o pedido de casamento e as lembranças que pareciam estar vivas como se ainda vivesse, apressou sua ida à sua terra natal.
Fez suas malas e partiu.

Chegando na cidade, muitas pessoas pareciam estar chocadas em vê-la. Ela seguia para cumprimentar alguém mas todos pareciam fugir. Intrigada, seguiu correndo para sua antiga casa.
Seus pais pareciam mais chocados que todos e quando a viram, até grunhiram.

Mãe, pai, o que aconteceu?
Filha, - seu pai chegou com lágrimas nos olhos. - Eu tenho uma notícia ruim para lhe dar, não tivemos coragem de ligar e atrapalhar sua vida lá...
Fale logo, estou ficando nervosa! - Exclamou ela.
É Marcus querida, - começou sua mãe. - Ele faleceu.


O tempo parou para ela.

Talvez tentaram segurá-la ali, mas ela saiu andando e cambaleando porta afora.
Atordoada, Emily andou por muito tempo sem rumo. As lágrimas corriam e ela chorava como uma criança.

Queria chegar em um lugar especial. Era um lugar muito escondido, ninguém talvez, soubesse de sua existência.
Era lá que Marcus e ela conversavam sobre sua preocupação com Ricardo, foi lá que Emily chorou em seu ombro contando sobre a perda da amiga. Somente os dois iam lá, somente eles sabiam.

Sentou-se no lugar de sempre, de lá era possível ver as luzes bem pequenas da cidade. Ela não aguentava a dor que sentia, levantou-se de súbito e correu para o fim do morro, não corria o perigo de cair, conhecia bem ali. Gritou: "Não!!!"
Deitou-se e chorou. Chorou muito, por horas. E adormeceu ali mesma, exausta.
Por um momento, ela parecia sentir estar nos braços dele.
Foi um sonho bom talvez, mas ela se lembrava da sensação quando acordou.

Na manhã seguinte Emily descobriu que Ricardo se encontrava na cadeia por traficar drogas, e também era usuário antes de ser preso.
Quis saber dele, como Marcus morrera.
Ricardo desconversou, parecia atordoado com sua chegada e olhava-a com obsessão. Não fosse o guarda ao lado deles e uma mesa separando-os, ela teria medo. Estava irreconhecível.
No final percebeu que Ricardo sentia-se culpado, mas o que matara o amigo de ambos, foi um acidente de automóvel. Marcus estava em seu automóvel quando este caiu do penhasco. No penhasco que ela passara a noite. Ela entendeu que era mesmo um acidente, Marcus jamais cometeria suicídio.

Então Marcus também gostava daquele lugar. Aquilo alegrou-a um pouco: ele continuou à visitar o penhasco.

Emily pediu licença do serviço e disse que passaria um mês na casa dos pais. Como não queriam perdê-la, seus chefes aceitaram de mal-grado.

Ela divertiu-se um pouco com o passar dos dias, relembrando os velhos tempos. Fazia muitos anos que não via seus pais e sentia-se culpada por isso. Sentia-se culpada por muitas outras coisas.

Quem segue somente seus desejos, tende à ficar assim, como ela ficou.

Soube então que Suzzane estava na cidade e foi atrás dela. A princípio a amiga rejeitou-a, parecia magoada. Mas Emily estava tão mudada, mais simples e a amiga terminou por perdoá-la:

Estou aqui cuidando dele, não consigo mais voltar para a cidade, quero estar perto de Ricardo quando ele sair. - Contou Suzzane.
Mas isso será daqui uns 5 anos Suzi! - Replicou Emily.
Eu sei, e quem sabe até lá ele te esqueça. Mas não sei se foi boa coisa você ter voltado.


Emily percebeu que era hora de partir, e saberia como voltar: escondida e avisando somente Suzzane e seus pais.

Sua vida na cidade não era mais a mesma, seu trabalho não trazia-lhe tanto prazer. Seu conforto foi entrar em contato com os pais de Marcus e saber mais sobre ele, que vida ele levou enquanto ela esteve fora. Ele falecera seis meses antes dela retornar, mas ninguém queria contar-lhe porque todos percebiam o quanto se gostavam, pensavam até que eram namorados. Por isso as pessoas agiram de forma tão estranha à sua chegada.

Descobriu que além dos trabalhos voluntários, Marcus criara em poucos anos um instituto para crianças órfãs morarem, uma organização não-governamental que funcionava como uma escola para crianças de baixa renda e um asilo onde os idosos eram tratados como ele queria. Oferecia seus serviços de graça para os carentes, usando toda a fortuna de seu pai que passou em seu nome, para mantê-las. Seus pais continuavam o trabalho. Disseram que a morte do filho fizeram-los despertar para um bem maior.

Ela sempre desligava o telefone emocionada. Percebeu que jamais fizera algo por alguém, de tão interessada que estava em seus próprios sonhos. Ela tinha tempo e dinheiro para ajudar quem quer que fosse, mas jamais pensara nisso. Apenas vira Marcus crescer, ajudando todos à sua volta com certa admiração, mas jamais achando que aquilo era certo, e sim uma perda de tempo.

Decidiu começar à frenquentar um asilo. Gostou e todos os domingos conversava com os velhinhos.
Conheceu também um orfanato por conta de um panfleto que lhe caiu nas mãos, e passou à visitá-lo. Não demorou muito para se apaixonar por uma menina negra de 12 anos, pela qual começou à nutrir grande carinho. Em três anos conseguiu na justiça o direito de adotá-la. Eram mais amigas que mãe e filha. E a menina lhe dava o exemplo de vida: era voluntariosa e defensora dos mais fracos, em especial dos animais. Emily teve de comprar uma casa com grande terreno para abrigar quinze cães que sua filha trouxera da rua, sempre dizendo: "Ah mãe, ele estava com fome." "Ah mãe...Ele estava me pedindo uma casa."

Descobriu a felicidade na adoção, novamente, era feliz.

Os anos se passaram rápido. Carla, sua filha, entrou na faculdade e casou cedo.Teve três lindos filhos. Emily era uma avó carinhosa.
Recebia cartas de Suzzane que contava detalhes de sua vida, e recusava os pedidos da amiga por uma visita. Suzzane namorava e terminava com Ricardo constantemente. Ainda amava Emily mas Suzzane não se importava mais com isso, queria estar com ele.

Emily jamais esqueceu seu grande amor. Ás vezes, as lágrimas acalmavam-na no escuro da noite solitária. Marcus era seu grande segredo, não contava para ninguém. Sua filha sofreria em saber do vazio que ela sentia, dia-a-dia, durante toda sua vida.

Aos setenta e sete anos, Emily recebeu a notícia da morte de sua amiga Suzzane, e correu para sua cidade. Ela trouxera seus pais à sua casa até a morte deles, anos antes, e nunca voltara a pisar em sua terra natal.
Ricardo jamais se casou com ela, ficaram terminando e voltando até o fim.

No velório, Ricardo estava lá. Aproximou-se dela ao vê-la chegar.
Ambos estavam bravos um com o outro, o olhar dele era diferente para com ela, algo mudara.

Você devia te-la feito feliz Ricky, - começou ela.
Quem disse que eu não a fiz? - indagou ele furioso. - Não fosse você com seu egoísmo de querer todos para si, e me prometer tanta coisa, eu não teria perdido metade da minha vida pensando no que teria sido. Sempre gostei de conquistas, foi só isso que me atraiu em você: era impossível de ser conquistada.


Emily sorriu. Ficou feliz com o que ouviu:

Então...
Então que eu amava ela, droga. - Resmungou ele cabisbaixo. - Passamos seis anos juntos, e agora que eu acordo, ela se foi. Ninguém nunca se importou tanto comigo. Eu não queria dinheiro, queria amor, que alguém me aceitasse.


Lágrimas caíram de seus olhos e Emily aproximou-se, abraçou o homem cabisbaixo e choraram com força.
Sorriram um para o outro e se afastaram. Emily conseguiu sorrir de felicidade: sua amiga, persistente como só ela, fora feliz então.
E corajosa, bem mais do que ela mesma.

Mais de quarenta anos depois, ela voltara aonde tudo começara. Estava ali, e claro que se lembrou do penhasco.
Seguiu para lá.

Enquanto caminhava, lentamente conforme a idade lhe permitia, lágrimas corriam de seu rosto. A vida parecia agora ter sido tão curta, mas o suficiente para se cometer tantos erros.
Ela daria tudo para que ele soubesse....Apenas para que ele soubesse...O quanto ela o amava.
E será que ele alguma vez sentira algo por ela? Morreria para descobrir aquilo.

Sentou-se no campo verde do penhasco, gemendo. Suas costas doíam e seus joelhos não aguentavam mais seu peso como antes, estava bem obesa.
Deitou-se como da última vez que pisara lá. Estava quase dormindo quando ouviu passos. Levantou-se bruscamente.

Era Ricardo, sua apreensão passou.

Olá, - disse ele.
O que você está fazendo aqui?
Preciso lhe dar algo.


Era uma caixa de ferro. Com as mãos trêmulas, Emily segurou-a. Ricardo virou-se e ia embora, quando voltou bruscamente.
Estava cabisbaixo e ofegante:

Eu preciso lhe falar isso ou vou morrer de remorso: Marcus morreu por minha causa.
Acho que foram os traficantes que empurraram seu carro, na época ele tentava me defender porque eu devia muito dinheiro á eles. Não teria como ele cair daqui sozinho, Emy.


Emily respirava rapidamente, não podia acreditar no que ouviu.
Furiosa ela levantou-se e acertou-lhe a mão na cara.

Obrigado, - Ricardo começou a chorar como uma criança. - Eu precisava disso.
Não, eu também mereço. Somos ambos covardes.


Ricardo fitou-a estudando-lhe sua expressão. Parecia entender que ela quis dizer que não se declarara para Marcus por covardia. Parecia entender muita coisa agora. Por fim disse:

Leia o que tem na caixa. Meu outro erro foi esconder isso de você. Saiba que eu os amo demais. - E foi embora.


Ela sentou, as lágrimas desciam livremente. Sua mão, trêmula, abriu a velha caixa. Já estava um pouco enferrujada.

Dentro tinha uma carta, desdobrou-a.

Um dia espero dizer-lhe isso, no momento eu reúno coragem. Certamente vamos acabar juntos então será divertido ler isso, ao seu lado, minha amada Emily.
Então contarei detalhes.
Estou com 15 anos e talvez daqui à uns 10 eu tome coragem para lhe dizer o quanto te amo.
Te amo desde sempre.
Todo dia com você é divertido, é gostoso, eu amo estar ao seu lado.
Nunca olhei para outra garota, para mim, você é a única que há.
Até esse dia, vou tentar ser um grande homem para poder chegar aos pés da grande mulher que você é. Eu já te admiro muito, mas acho que você pode ser mais ainda do que é.
No momento planejo deixar você namorar bastante, com quantos quiser. Ao menos é o que você me contou ontem.


Ela deu uma gargalhada alta. Parecia ter voltado à décadas atrás. Lembrava-se bem daquele dia.

Eu tenho o desejo de que você desenhe o orfanato, escolinha e creche que pretendo criar. Quando você se formar (porque um de nós tem que ter certo estudo), espero que possamos cuidar juntas das crianças, dos idosos, e é claro, das nossas crianças. Quero me casar com você.
Acho que devemos também adotar uma criança, de preferência negra, elas são muito rejeitadas pela sociedade.

Às vezes escrevo cartas para desabafar sobre você, porque acho que o Ricardo não aguenta mais ouvir-me.
Uma pontada de dor invadiu o coração dela, então Ricardo sabia.

Sua compania é a minha maior felicidade, e eu esperaria uma eternidade por você.
Acredito na imortalidade da alma, por isso um dia ainda estaremos juntos. Deus é bom, acredito nisso e nada seria realmente bom se não existisse reencarnção, vida após a morte, essas coisas.

Eu te admiro.
Te amo.
Tanto! Tanto!
Emily beijou e então, abraçou a carta no peito.
Agora chorava até soluçar e não conseguia conter sua dor. Doía tanto, mas tanto...


Cada vez mais...


Seu peito doía...


Não!


Seu coração!


Caiu deitada. A dor era insuportável.


Ouviu passos. Era uma homem.


Não era um homem qualquer, ela conhecia ele: era Marcus!!














****



Morreu ali mesmo.




A cidade toda falava nisso mesmo anos depois...
Encontraram o corpo da velha Emily. Morta. Mas parecia ter um leve sorriso no rosto, ou era só uma impressão...

Quando não há tempo o bastante



Ela seguia imersa em seus pensamentos.

“Como pudera ser tão estúpida?” - pensava.

Se corresse mais, talvez ainda houvesse tempo. Decidiu pegar o táxi. Dois se passaram antes que ela pudesse subir:

- Me leve ao aeroporto! - gritou ao fechar a porta.

A viagem parecia interminável. Eram apenas 20 minutos até o destino, mas parecia-se passar 12 horas.

Ansiosa, Melissa ofegava.

Seus olhos procuravam o

velocímetro do carro, até que descobriu que o motorista corria à 60 quilômetros por hora:

-Não dá para acelerar não? - Indagou contendo o ódio.

-Moça, são cinco horas da tarde. O único meio de correr mais seria se eu pudesse subir sobre os carros da frente!

A eternidade teve, afinal, um fim.

Oito anos antes, ela conheceu Edu

ardo.

Ele era tudo o que podia haver em um rapaz que não lhe interessaria. Ao menos foi o que ela pensava.

Franzinho, muito pálido e quieto, ela via nele um homem covarde. Ou um futuro covarde.

Ela estava apaixonada por Jefferson, que a ignorava. Os três faziam parte de um grupo de amigos que viviam sempre juntos.

Tanto que lutou, por fim conseguiu conquistar e estar junto de Jefferson. Foram dois anos turbulentos. Ela sofreu, foi traída.

Mas alguém, antes, durante e depois de Jefferson á apoiou: Eduardo. Sempre ele.

Ele a ouvia ao telefone, ao celular em todos seus momentos de tristeza e dificuldade. Estava sempre pronto à ajudá-la. Ela achava que ele a amava, mesmo assim sua paixão cega por seu namorado não a deixava vê-lo como homem.

Até que um dia aconteceu.

Como qualquer paixão, tudo o que sentia por Jefferson acabou. Esvaiu-se como água em vapor.

Decidiu terminar tudo e como morava com o namorado, a coisa ficou feia. Um dia após conversar sobre o fim do relacionamento, ela retorna do trabalho e vê tudo vazio. Seu apartamento sofreu uma limpeza nada desejada: ele levara suas coisas, todos seus pertences.

Desesperada novamente, ela ligou para Eduardo. Ele a salvara, viera buscá-la e juntos deram queixa na polícia. Isso foi no terceiro ano após conhecer Edu.

Ele levou-a para morarem juntos até as coisas se definirem. Mas Melissa se acomodou. Acabou deixando as coisas como estavam. Ficou morando por lá mesmo.

Às vezes sentia algo pelo parceiro de quarto, algo maior que amizade e gratidão, mas jamais dedicou algum pensamento quanto à isso.

O quarto ano chegou e de repente, Eduardo começou à receber ligações. Ela sentiu ciúmes: era uma mulher.

Melissa então fez de tudo para saber o que estava acontecendo, e um dia, sem resistir, seguiu-o. Eduardo agora namorava uma bela moça, bem mais bela do que ela. Seu ego foi ferido e mesmo sem saber o que sentia pelo amigo, decidiu que o teria para ele.

Morando juntos ela podia facilmente mostrar suas intenções com palavras e olhares, ele percebeu e ficou confuso. Começou à evitá-la, chegava mais tarde.

Ela tinha mais raiva pois ele jamais comentava da namorada, nem a trazia para lá. Sentiu-se então humilhada: Eduardo devia estar com receio de magoá-la, nunca devia te-la amado. Era tudo imaginação sua - pensou.

Quando o quinto ano chegou, ela conseguiu.

Conversou às claras com Eduardo que finalmente confessou ter tido um relacionamento, mas apaixonado por ela desde que à viu pela primeira vez, não conseguiu seguir em frente.

Seu ego se acalmou. No mesmo instante percebeu que não o queria mais.

Mas ele a pediu em casamento. Ela, depois de tanto esperar por ele, decidiu “curtir” o momento.

Eduardo parecia um garoto de 15 anos. Demonstrava todo o amor reprimido, o tempo todo.

Ela não o valorizou, enjoou.

Após dois anos de relacionamento, decidiu terminar tudo. Sofreu por ele, mas ela mesma não sentia mais nada por ele. Ou ao menos achava isso.

Eduardo sofreu muito. Demorou para se reerguer.

Então ela, que se manteve como amiga à distância, viu ele encontrar uma nova pessoa, um ano depois, era o sexto desde que se conheceram.

Não sabia dizer o porque mas não conseguia admitir aquilo, sentia como se Edu fosse sua propriedade. Dediciu interferir de novo. Logo conseguiu, Eduardo deixou a outra para voltar com ela. Em seis meses, Melissa, que já se culpava e punia por ser assim, decidiu terminar novamente.

Então não se viram mais.

Mas Melissa soube que ele viajaria para a Itália, era definitivo: achara um emprego dos seus sonhos. Ela não o veria mais.

Nem no mesmo país se falavam mais, quanto mais se ele se mudasse!

Ela corria então para o aeroporto.

Como pude ser tão estúpida?

Pensava e repensava a mesma coisa.

É claro que eu o amo, sempre o amarei.

Ela gostava do desafio, do que era difícil. Mas aventuras não são amor. Ao saber que ele viajaria, ela se entendeu por completo, entendeu que jamais faria com ele o mesmo que vinha fazendo.

Desceu do táxi e entregou uma gorda quantia em dinheiro, sem contar.

Correu aeroporto adentro, sabia qual era o portal de partida. Seguiu para lá.

Não podia acreditar, a porta estava fechada. Seu estômago parecia que ia despencar de seu corpo… De alguma forma, ela se enganou quanto ao horário. Maldita reunião que a segurou.

Ficou meia hora parada ali, olhando para a porta à sua frente. A tristeza a possuiu.

Viera cometendo os mesmos erros que a fariam se arrepender pelo resto da vida. Não haveria outro homem para ela, jamais houve. No fundo sempre amou aquele que, parecia não ter nada do que ela queria, e no final era tudo o que ela desejava.

De cabeça baixa, foi-se embora.

Sentia que sua vida havia acabado. Não sabia como seguir dali em diante. Era muito insegura para viver sem tê-lo por perto, ou ao menos saber que ele poderia ajudá-la caso precisasse.

Ninguém, nem seus pais ou irmãos jamais foram muito chegados à ela. Nunca teve carinho e quando recebeu, não soube como retribuir.

Seus pés estavam muito pesados, seu corpo até dolorido. Foi embora, achando que aquele era o fim de sua vida.

À quinhentos metros dali, um homem pálido, magro e alto a observava. Estava escondido atrás de um pilar.

Suas malas, ao seu lado.

Ele quis, mas não conseguiu partir.

Perdera a maior promoção de sua vida, mas perderia tudo, até mesmo sua vida, por aquela mulher.

Mas não iria procurá-la.

Eduardo viu Melissa chegar e ir, e entendeu, naquele momento e pela primeira vez que ela o amava.

Iria renovar as forças para recomeçar aquela corrida de gato e rato… Novamente. E para sempre se fosse preciso.



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